Nascida em uma família tradicional de catadores do Rio de Janeiro, Glória de Souza dos Santos, 45 anos, trabalha há mais de três décadas no mercado de reciclagem. Foi criada em Laureano, bairro vizinho de Jardim Gramacho, o maior “polo de reciclagem do Estado do Rio de Janeiro” onde junto da mãe e dos irmãos aprendeu a profissão complexa de classificar dezenas de materiais, que chegavam junto do “aterro controlado” no município de Duque de Caxias. Em 2006, metade da população local sobrevivia dos resíduos despejados no lixão, que foi fechado em 2012 quando os materiais e rejeitos passaram a ser enviados à Central de Tratamento de Resíduos em Seropédica.
Glória é uma mulher inspiradora e grande líder na comunidade onde vive. Fundou a cooperativa ACERJ em 2019, localizada no município de Caxias, onde não há coleta seletiva implantada pelo serviço público, uma realidade da grande maioria dos bairros da região metropolitana do Rio de Janeiro. A ACERJ faz um cadastro de catadores de rua independentes para inseri-los no sistema de trabalho como cooperativados, treinando também esses profissionais. Atualmente, de um total de 20 pessoas, 14 são mulheres.
A menina começou cedo com a mãe, aos 10 anos, quando as crianças ajudavam os pais na tarefa de triagem do material. É um trabalho ensinado de geração para geração. “Nos lixões, os catadores mais inexperientes aprendiam a profissão com os mais antigos. É um trabalho realmente cooperativo. Um dos grandes desafios hoje é ensinar a tarefa de triagem dos resíduos. Temos 18 subtipos de plástico, por exemplo”, comenta.
O conhecimento de gerações está mesmo no sangue da família. Com orgulho, ela conta que trabalhou 10 anos na Associação dos Catadores do Aterro Metropolitano do Jardim Gramacho (ACAMJG) com o irmão, o empreendedor social Tião Santos, mas tinha um sonho de empoderar mulheres (que representam 70% da mão de obra nos galpões de separação e classificação de materiais). Desde então, Glória intensificou sua luta pela revitalização do polo de reciclagem de Jardim Gramacho ao lado de lideranças mulheres associadas de outras cooperativas. Atualmente, o polo tem quatro cooperativas, quatro galpões e capacidade para receber 30 toneladas por dia, reunindo cerca de 80 catadores.
A líder participa do movimento “Eu Sou Catador” que valoriza os serviços ambientais prestados pelos catadores, além de ser ativista em outras causas como movimentos de favelas. A presidente da ACERJ busca conscientizar o setor sobre a importância de uma precificação justa dessa mão de obra. “O mercado está muito voltado para startups e o valor da tonelada [pelo serviço de recuperação dos resíduos], infelizmente, ainda é muito baixo. É preciso catar e classificar milhares de plásticos para gerar 1 tonelada de crédito de logística reversa”, destaca Glória. “Meu sonho é a regulamentação da lei estadual para geração de resíduos no Estado do Rio de Janeiro. Vamos batalhar para aumentar a remuneração média de R $800 para R $1.500,00 para os catadores”, concluiu.
Glória reconhece que é um grande desafio incentivar a educação ambiental e a coleta seletiva na sociedade. “Fico desanimada se não houver uma conscientização da população através da educação ambiental. A coleta seletiva domiciliar, que vem da Comlurb, precisa ser feita em escala. Todos deveriam ter o direito a este serviço oferecido pela prefeitura, mas as dificuldades são enormes”, finaliza. De acordo com dados recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mais da metade das famílias brasileiras já são chefiadas por mulheres. A principal inspiração de Glória vem da mãe, que fundou a primeira cooperativa na região, a Coopergramacho, e toda a história junto dos seis irmãos, que conhecem o mercado de reciclagem na palma da mão. “Ser uma catadora representa a luta pela valorização da categoria”. Glória é uma grande ativista e influencia outras mulheres para impulsionar mudanças sociais, culturais e políticas em sua comunidade.